terça-feira, 3 de abril de 2012

O que o Village tem?

(Estive  com amigos no último verão de Nova Iorque e escrevi, em um guardanapo, uma pequena crônica sobre o Village em uma aventura desgarrada nesse distrito de Manhattan que cairia no esquecimento se eu não encontrasse o tal guardanapo jogado em uma mala de viagens. Ei-la aqui! E nunca é tarde para publicar. Aproveitem!)


Nova Iorque é, de fato, uma cidade inexplicável. Nunca entendi, por exemplo, por que John Lennon, à frente de seu tempo, cheio de atitude, morava tão “trivialmente” na Quinta Avenida, existindo lugares como o Village. Esse distrito periférico de Manhattan seria a cara de Lennon se talvez Yoko Ono (que mora lá até hoje) não tivesse aquele natural desejo feminino pela Quinta. Pelo menos se presume.

Aquele movimento high social capital, não condiz, de fato, com o ar poético que inspira os mais aflorados sentimentalmente, sentando em qualquer banco de praça desse pacato e romântico lugar, pertinho do SoHo, ao mesmo tempo em que, sem se esquivar do traço de qualquer cidade cosmopolita, consegue se mostrar inusitado em curiosos momentos. E não seria esse um prato cheio para os poetas?

Sentei em um charmoso restaurante italiano, que prefiro não chamar de café ou bistrô porque, além de não ter essa qualificação oficial, se assim o fizesse não estaria no Village. Ali, as pessoas, nem sendo tão bonitas, passam cheias de estilo próprio; nem tão cheias de grifes, todas desfilam, como que em uma passarela que intercorre todos os entremeios de ruas tranquilas e delgadas avenidas.

O Bar Pitti foi a minha escolha, e logo ao sentar, o garçom me aponta o cardápio de pratos, um quadro de giz elegantemente pregado na parede no pequeno salão que, para enxergar, tem-se que esticar o pescoço sutilmente para não se parecer enxerido na mesa alheia. Ali me senti de verdade em Nova Iorque. A que muitas vezes quer nos se revelar e ainda não consegue, nem mesmo com o esforço de apaixonados como o cineasta Woody Allen que já passeia por outros ares.

O Village é alegre. E eu ainda nem tinha tomado minha primeira taça de vinho. É tranquilo, e ainda nem tinha tomado a minha décima. Pode-se descobrir o perfil agitado do lugar ou a sua serenidade, estando com um grupo de amigos ou mesmo solitário, apenas observando, como eu, e isso foi o que se tornou o grande trunfo para mim naquele momento.
 
Mas qual o motivo pelo que nunca me fiz perceber o Village assim?  Por ali já passei algumas vezes mas somente o “reencontrei” quando estava sozinho. E foi quando tive as melhores visões que Manhattan pode proporcionar.

Um pai com duas crianças andava apressado carregando... uma jarra de água?!... e um saco de gelo?!... 

Deixei de querer entender melhor aquilo quando uma jovem típica americana, seios avantajados e bochechas rosadas, um tanto acima de seu peso, mascando um chiclete, com um fone no ouvido passou por mim levando à tiracolo o seu namoradinho, aparentemente mais velho, estilo modelo, músculos definidos à mostra, óculos Rayban que, se talvez não fosse a diferença entre os dois e o acessório que carregava, passaria despercebido em meio a tantos tipos iguais que por ali andam: uma bolsa da famosa marca Burberry no seu ombro. Seria a nova tendência dos homens em usar bolsas de mulheres? Errado. Há três passos atrás, uma senhora deu um gritinho que, dali, consegui ouvir: “Wait for me daughter!”.  Bingo! O descolado rapaz, com toda pinta de galã, levava gentilmente e em bom estilo a bolsa da sua sogra. O Village não estava lançando tendência em minha frente e o amor é lindo. Será?!

Já não queria mais dar conta das vidas que passavam sobre a minha mesa, embora aquilo estivesse me divertindo mais que qualquer musical clichê da Broadway. Minha massa bolonhesa acabara de chegar e duas goladas do bom vinho poderiam me fazer concentrar nela... ou não. Minha última sorvida do que restou do vinho não foi suficiente para que eu deixasse de ver uma “vovó” virando o seu prato inteiro de espaguete no da sua amiga, enquanto falava vidrada em seu iPhone. Mas o que estaria acontecendo ali?

“Yeeeeess, dear, I'm going now!”.  Que alegria! A vovó simplesmente desistiu de saborear o seu prato para encontrar com um "dear", enquanto a coleguinha, atônita, via-se em frente a um inesperado prato de macarrão, depois de já ter se empanturrado de seu risoto, .

Um rastafári ruivo?! Já devo estar bêbado... Esperou um pouco por alguém ali, olhando para os lados, e, dando a mão para o seu companheiro, saíram apressados. Normal em Manhattan, não fosse o ruivo, trajando calça de colegial, suspensório, sapato de vinil vermelho e uma gravata borboleta, com tatuagens até às pálpebras, namorar um nerd gordinho, cabelo repartido, de camisa engomadinha e de óculos pretos redondos três vezes maior que o seu rosto que, inclusive, deixou-os cair, o que causou um certo desconforto entre o casal que teve que se separar por instantes para que o nerd voltasse em busca do objeto enquanto o ruivo aguardava, irritadinho.

O que fazem os cronistas longe daquele quarteirão? Não seria ali um lugar ideal para um roteirista? Será que ali já se inspiraram com a imagem maravilhosa de um velhinho de seus oitenta anos em roupa de academia, boné, fone no ouvido e camelback, montado em um patins com o qual fazia piruetas na esquina, quase atropelando a senhora que, por preocaução, já trazia seu poodle na mão?


E aquele outro vovô com um tênis de uma brancura polar, que deixou cair seu headphone e num golpe só pegou o acessório do chão, e sem perder as passadas, foi arrumando com destreza o seu aparelho de caminhada? Ah, eu adoro os vovôs e as vovós, e os do Village são os mais legais!

“What te fuck...”. Lembram da Precisosa do aclamado filme?! Não era ela, mas uma cópia e se zangou com o vovô de tênis branco que quando fez o brusco movimento com o seu headphone nas mãos, apressado que estava, quase derruba a sua sacola de chocolates. Sim, ela comia chocolates em uma sacola.

Pedi a conta, triste que o dia já estava terminando. Cruzando a rua, saindo do bar, e as pessoas que trabalham em uma pizzaria movimentada dali, serviam seus clientes no meio da calçada, como em uma festa. Passei pelo meio do aglomerado para me sentir convidado naquilo. Antes de deixar o lugar, quase perdi a visão que fecharia minha aventura com maestria. Na parte interna da pizzaria, deu para ver a vovó do iPhone sentada em uma mesa, provavelmente com seu "dear" e com um motivo muito forte para trocar o macarrão do Pitti por uma pizza do bairro.

Terei que voltar ao Village...

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Mole Poblano: a apreciada iguaria mexicana que me nocalteou!

Italo Calvino, o célebre literário italiano, escreveu em uma obra que, provavelmente, a comida mexicana, pelos elaborados sabores, tinha origem obscura.

Talvez, os indígenas ocultavam o gosto da carne, proveniente dos sacrifícios humanos, adereçando-a com muitas especiarias, para oultar seu verdadeiro gosto. A verdade fica para os historiadores, mas o certo é, que a gastronomia mexicana é rica, elaborada e carregada de sabores.

É também, o resultado de uma estranha mestiçagem, principalmente, com a comida espanhola, com seus ingredientes básicos no milho, adorado pelos indígenas, o chilli, (pimentas regionais secas), com mais de 100 variedades dignificando os sabores, e o feijão, ingredientes que se encontra sob diferentes formas em toda comida que por lá se prepara.

A comida é para muitos mexicanos o melhor momento do dia e se compõe de soupa seca, uma espécie de caldo ralo muito temperado, com arroz; um segundo prato que pode ser carne, peixe ou frango, sobremesa e café.

Não se pode, de jeito nenhum, abandonar o México sem ter experimentado o verdadeiro prato mexicano, o mole poblano, o prato bandeira da cozinha mexicana que é, na verdade, a base para acompanhar frango, carne de porco, de cordeiro ou mesmo de boi. Dizem que a receita foi inventada pela freira de um convento que, querendo agradar ao bispo, misturou mais de 30 ingredientes, impressionando-o com o delicioso molho. A preparação é devagar e trabalhosa por ter diversas etapas onde se vão misturando todos os ingredientes que vai até uma pequena barra de chocolate meio-amargo, à amanedoim, tomates, amêndoas, passas, alhos, pimentao, canela, pão, banana etc. E foi ele, exatamente o Mole Poblano o meu vilão...

Já viajei para alguns lugares e experimento realmente de tudo. Sou acostumado a comidas codimentadas e gosto do sabor salgado e picante, mas a culinária mexicana, inusitadamente e literalmente, me derrubou. Fiquei acamado no quarto do hotel por um dia inteiro com sintomas que é melhor não comentar...

Mas eu não costumo deixar o inimigo rindo de mim e preparei a minha doce (ou apimentada) vingança. Fui para dentro da cozinha do chef Jésus García (De Cortés), a seu convite, para aprender a fazer o prato. E, mesmo ainda convalescendo, enfiei tudo goela abaixo com muita vontade! É inexplicavelmente bom demais aquilo!

Bom, sobre o mal que me acometeu, você saberá se lhe acometerá também, assistindo esse vídeo que preparei onde irá aprender a fazer o Mole e, se tiver coragem, comer. Que Montezuma, pois, lhe seja bonzinho... Quem é Montezuma? Assista o vídeo!
















Aprendi a fazer o Mole Poblano


                                                                                
















Pequeno domentário sobre o Mole